27 de mar. de 2008

De quando eu era hippie

Minha emancipação aconteceu aos 19 anos. Estava dando aulas de inglês e tinha me mudado para um apartamento com minha amiga Julia. A vida era boa. Trabalho e bar, não necessariamente nessa ordem. O desapego com o status quo trilhava minha vida. Usava saia indiana, chinelo de dedo, blusa de tirinha e tinha um arsenal de pinduricos de semente. A vida era boa. Conheci o Junior nessa época e a identificação foi explosiva. Quando a Julia foi para Sao Francisco encontramos o lugar ideal para chamar de nosso lar. Mudamos para a Chacara, que era na estrada do Emaus. Eram 3000 metros quadrados de mato, como queriamos. Arrumamos umas galinhas e montamos uma granja. Eu só saia de lá, desse exílio volutário, para dar minhas aulas que supriam nossa pouca necessidade de consumo e pro centro eu ia com nosso fusca vinho, o nabata (o porque desse nome é outra estória). Junior tocava nossos negócios caipiras. Colocamos uma placa no portão da chácara que dizia: Vende-se ovos , frango e queijo. As galinhas da granja botavam ovos, Jr matava as que não botavam para comer e vender. Eu não assistia ao assassinato das pobrezinhas, não tinha coragem. Ás vezes inevitavelmente via de relance uma sendo depenada e limpa. Me dava calafrios. Já as galinhas caipiras não comiamos. Elas ficavam circulando livremente e me seguiam, não por gostarem de mim, mas era eu quem dava os restos de comida que sobrava e isso elas aprenderam rapidinho. Onde eu ia, as galinhas iam atras. Elas, as caipiras, faziam seus ninhos no mato, mas nunca nenhum ovo conseguiu vingar pois sempre tinha um lagarto por perto que se deliciava com aqueles ovinhos tão delicados. Era dito e feito. A gente ouvia a galinha "berrando", desesperada e já saíamos com o facão na mão prontos para defender a moradora caipira daquele sitio que gritava por ajuda. Em vão. O danado do lagarto sempre se safou. O queijo, era feito do leite da malhadinha. Malhadinha, nada original, era a vaquinha que descolamos. Ela veio premiada, ou seja, com um bezerrinho a tira colo. Claro, vaca com bezerrinho, tem leite. A noite, o Jr separava o bezerro do úbero de sua mãe e o leite se acumulava para que na manhã seguinte a gente se esbaldasse com o quentinho, fresquinho leitinho da malhadinha. Então o queijo era só mais uma técnica rural para dominarmos. E deu certo. A vaca tinha outra utilidade, os cogumelos alucinógenos cresciam na bosta dela. É, e para que ficassem maiores a gente ainda regava, tipo cultivando, sacou bicho? Tinhamos uma horta e várias árvores frutíferas: tangerina, pitanga, manga. Não pagávamos conta de sanepar, a água era do poço. A fatura de luz vinha míseros 20 reais, por ser área rural e olha que a banda do Jr, Elite Nativa, ainda ensaiava no quarto extra que tinha na casa. E a energia supria todo som que eles faziam lá. Seria barulho? E havia os galos... ah, os galos. Eram dois: o ruivo e o preto. O preto ficava preso e o ruivo solto. A gente imaginou que não haveria briga dessa maneira. Um preso dentro da granja, senhor das galinhas brancas. O ruivo fora, senhor das galinhas caipiras. Doce ilusão. Um matou o outro pela tela de galinheiro. A necessidade de brigar era maior que qualquer coisa. Coisa de galo. Em meio essa fauna, tinha ela, a Ganja. Um pastor alemão fêmea que desde pequena vivia conosco na chácara. A cachorra mais esperta que eu já vi em minha vida, e não é só porque era minha não. Mais tarde roubaram ela ... mas essa é outra estoria. A vida era boa. Passavamos as horas ociosas fumando erva, alucinando e ouvindo muito som hippie: Mutantes, Secos e Molhados, Grateful Dead, Janis Joplin, Jimmi Hendrix, os gurus. Compramos uma vez uma daquelas piscininhas de criança, manja? Voltando de uma festa uma madrugada, ao virarmos o carro em direção ao portão da chácara flagramos uma cena surreal que nos fez pensar ter tomado alucinógeno em excesso. A vaca, a malhadinha, estava simplesmente sentada na piscina de 2x2, aparentemente se refrescando. Vaca na piscina. Mucho loco bixo! O dias nessa época passavam lentamente, intensamente. A gente prestava atenção nas folhas, no céu, na estrelas, nos barulhinhos do mato. A vida era boa.

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